Por Thiago Carrão/Advogado Criminalista 

Mais de três meses depois do início da pandemia e das restrições, mais de 10 milhões de pessoas ainda não receberam nenhuma parcela do auxílio emergencial. Entre não aprovados sem qualquer justificativa, estão as pessoas que ainda estão com seu pedido em analise não tendo a primeira parcela paga.

No dicionário, o significado da palavra emergencial é aquele que tem caráter de urgência, que não pode ser adiado. Por exemplo: quem tem fome e precisa do dinheiro para comer. Ao passo que já está sendo sacada a segunda parcela do auxílio emergencial, tendo em vista preencher todos os pré-requisitos legais para recebe-lo, as pessoas que tiveram negado o auxílio,não tendo outrasaída buscam socorrono Poder Judiciário para que ele cumpra seu papel.

O indeferimento da concessão do auxílio emergencial,ainda que seja de forma simples pelo próprio aplicativo, já é suficiente para configurar o interesse processual que justifique o ingresso em juízo.

Situação mais complexa de ser analisada é aquela em que houve o cadastramento do pretendente ao benefício e ainda não houve qualquer resposta administrativa, havendo uma demora em obter uma resposta da solicitação. O silêncio administrativo, informa a doutrina, pode produzir efeitos jurídicos e, nesse sentido, a lei ordena uma resposta ou decisão motivada em até trinta dias.

Por tanto, após o transcurso do prazo de trinta dias, inexistindo qualquer decisão proferida pela Administração, ainda que pelo aplicativo do celular, estará configurado o interesse processual, por omissão e atraso indevidos por parte da Administração Pública, permitindo a postulação judicial.

É importante compreender que o motivo deve ser verdadeiro, e ser condizente com a realidade, pois em muitos casos o aplicativo demonstra como justificativa emitida pela Administração, entre outros o “recebimento de outro benefício”, “possuir emprego formal” e inclusive o incrível “exercer mandado eletivo” ou seja alguém que foi eleito nas eleições passadas.

Para buscar a justiça, as pessoas podem simplesmente ir perante os Juizados Especiais Federais, onde os servidores reduzirão a termo tais demandas e inserirão no sistema informatizado esses pleitos – obviamente surge aqui a perspectiva de como isso se dará diante de um cenário de fóruns fechados em virtude das medidas de isolamento social, ou procurar um advogado.

Como compreender esse fenômeno do auxílio emergencial?

A análise e concessão do auxílio emergencial, ainda que ocorra a partir de um app, não deixa de configurar exercício de um conjunto de atos administrativos, atos da Administração Pública.

A Lei 9.784/99 (art. 22, caput) admite a informalidade para a prática dos atos administrativos; também é admitida a realização dos atos administrativos através de meios eletrônicos (arts. 15, c.c. 193, do CPC).

Sendo indiferente a forma pela qual se dá o ato administrativo de negativa de concessão do auxílio emergencial (inclusive pela via eletrônica), constata-se que estas poderão ser questionadas judicialmente, pois a Constituição Federal propicia um modelo de acesso à justiça na hipótese de quaisquer direitos lesados ou ameaçados de lesão (art. 5º, XXXV).

A judicialização do auxílio emergencial deve levar em consideração, de modo ainda mais acentuado, a intensa vulnerabilidade processual de seu público-alvo, que decorre de extremas carências sociais, econômicas e informacionais, em muito semelhante ao que eu apresento a respeito dos autores das ações previdenciárias em meu Curso de Processo Judicial Previdenciário.

Thiago Carrão é advogado criminalista e professor de Direito. Foto: Arquivo pessoal

O que pode ser impugnado judicialmente? 

Todo ato administrativo exige fundamentação. Tanto por exigência constitucional (art. 37, caput), como por imposição do art. 50, da Lei 9.784/99. Porém, tem sido frequentes os relatos de indeferimento do auxílio emergencial comunicado pelo app sem qualquer indicação dos motivos pelos quais isso se deu – dificultando a impugnação judicial do ato administrativo.

O questionamento judicial do indeferimento do auxílio emergencial deve abranger o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 2º, da Lei 13.982/2020 (idade, renda familiar e per capita, composição do núcleo familiar, ocupação profissional etc).

Cogitamos que também pode ser judicializada qualquer exigência inconstitucional contida nesse dispositivo legal mencionado.

As duas hipóteses mais flagrantes residem na limitação do benefício a pessoas maiores de 18 anos – sendo que, para dizer o mínimo, a partir dos 16 anos é possível trabalhar, o que torna injustificável essa exclusão – e aquela que limita o recebimento de duas cotas do benefício a famílias monoparentais chefiadas por mulheres – obviamente que a configuração familiar, dessa modalidade, mais frequente no Brasil, mas não se pode descartar que existam também lares monoparentais chefiados por homens.

 

*Thiago Carrão é advogado Criminalista do Escritório Carrão, Quartiero, Furlan & Advogados Associados/Professor de Direito e Mestrando pela UFSM.